segunda-feira, junho 30, 2008

Garganta

Garganta em que a tua voz se forma
como vagas de um mar embravecido
onde o doce e limpo mel se entorna
o leite, fecundo e quente, escorre perdido.

sexta-feira, junho 27, 2008

Leva-me a tua casa


David Lace


Leva-me a tua casa
serve-me o chá quente
e queima-me os lábios
num beijo de movimentos
sábios em que as línguas
se toquem fora da boca
expressão da paixão
tão proibida como louca
que nos impedem de ter
beijar morder

Leva-me a tua casa,
deita-me no chão,
no teu colchão,
e leva-me a países
distantes, em barcos
errantes no oceano
das emoções,
abre o porto de abrigo
e acolhe-me aí,
um pouco a sul
do teu umbigo.

quarta-feira, junho 11, 2008

Variações de uma tarde de picnic III



"Quando tu, descendo do burrico..."


onde a terra acaba e o mar começa
e o vasto o areal se encosta à serra
chegámos num twingo a toda a pressa
por entre pinhais e estradas de terra

falaste das árvores e da lua
e de represas que o pinhal escondia
e eu que sonhava em ver-te nua
tirei-te, sem veres, uma fotografia

Sem toalhas, sem cesta nem farnel
sentimos a tarde a cair devagarinho
bebi nos teus olhos o doce mel
e sem um beijo fizemo-nos ao caminho

ficou tudo por dizer, nada foi dito
mas não deixei de ter uma linda prenda,
é que tu, quando desceste do burrito,
foste o supremo encanto da merenda.

Variações de uma tarde de picnic II - Mario Cesariny

Homenagem a Cesário Verde

Aos pés do burro que olhava para o mar
depois do bolo-rei comeram-se sardinhas
com as sardinhas um pouco de goiabada
e depois do pudim, para um último cigarro
um feijão branco em sangue e rolas cozidas

Pouco depois cada qual procurou
com cada um o poente que convinha.
Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde
que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!

Variações de uma tarde de picnic I - Cesário Verde

De Tarde (Aguarela)

Naquele pic-nic de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios com duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.

quinta-feira, junho 05, 2008

Na tua mão

Fecha a tua mão,
guarda-me entre os dedos
e espera adormecer.
Depois de adormeceres,
abre-a e deixa-me livre nos teus sonhos.

Tormenta

Giestas negras onde a lua se escondeu
manto branco como a neve as cobriu
mistérios penentrantes de vontade
desejo solto no mar da liberdade
fenda que na terra se abriu.
Altos mastros rasgam na tormenta
lutando contra a bruta natureza
tempestade matando a pureza
do teu sangue canela e pimenta.

quarta-feira, junho 04, 2008

Leva-me

Não me beijes os olhos
não me tornes a beijá-los
dançando livre na espuma das ondas.

Não me beijes os ouvidos
com esse riso de criança
olhando a gaivota que não alcança.

Dá-me antes a tua mão
leva-me a lugares
onde o sonho sai de um espelho
e se liberta num chá dançante

e um comboio fabuloso
que arranca violento
e parte a chávena.